Depois de um pouco mais de 11 anos, lá estava eu de volta ao ponto de partida. No lugar que deixei sem olhar pra trás em busca de sonhos. Não me sentia pronta para esse reencontro. Ainda não havia alcançado aquilo que fui buscar. O retorno prematuro me colocou em estado de luto. Eu não queria estar ali. Me sentia o próprio fracasso.
Eu compreendia e havia concordado que era o melhor para nós enquanto família, mas saber disso não diminuía a minha dor. Combinamos que faríamos um teste de, no mínimo, seis meses e, no máximo, um ano. Se nesse período não nos adaptássemos ao novo estilo de vida, voltaríamos. Essa possibilidade era o que me consolava, principalmente, quando recebia propostas de trabalho vindas de Brasília e, eu infelizmente, precisava rejeitar, por não estar lá.
Nesse período de ‘teste’, moramos na casa da minha mãe (meus pais são separados). Voltei para a casa da minha mãe; no entanto, eu não estava mais sozinha. No tempo que passei longe, me multipliquei, agora sou três. E essa nova convivência familiar também passou por uma fase de adaptação. Não foi tão fácil como parecia que seria.
Recomeço
Já que não havia outra saída naquele momento, o melhor a fazer era enfrentar a situação o quanto antes. Atualizei meu portfólio, entrei em contato com alguns gestores indicados por uma colega e, logo, por sorte, fui chamada a cobrir férias em uma emissora de televisão local, onde fiquei por 100 dias. Em seguida, iniciei um contrato temporário em outra TV local.
Parecia que tudo estava se encaixando. Eu trabalhando, mesmo que provisoriamente. Golber estava conseguindo fazer a transição de carreira, apesar das dificuldades, finalmente estava realizando o sonho pessoal do home office. Joaquim na escola, convivendo com os avós, tios e primos. Minha família estava feliz por ter o Joaquim por perto. A infância perfeita que idealizamos para nosso filho.
Eu observava tudo com a certeza de que fiz a escolha certa. Então, por que me sentia tão infeliz? Por que ainda doía tanto?
Conflito interno
Queria tanto fazer dar certo. Porém, havia em mim forte resistência interna que desejava estar em outros ambientes, principalmente profissional. Tudo era muito diferente do que estava acostumada. O mercado funciona de outra forma, assim como a dinâmica e estrutura de trabalho.
Tive muita dificuldade em me ajustar ao formato local. Enfrentei inúmeras crises de ansiedade. Sempre dizia a mim mesma que não voltaria no dia seguinte. No entanto, é claro que voltava e cumpria minhas responsabilidades da melhor forma que conseguia.
Pra piorar, tive a infelicidade de conviver com algumas pouquíssimas pessoas (preciso ressaltar que foram pouquíssimas mesmo), que pareciam amigas, mas que só tornaram tudo ainda mais difícil. Quando percebi isso, já era tarde; a energia tóxica já havia me contaminado e afetado em cheio a minha auto estima profissional. Fiquei frágil. Comecei a duvidar da minha capacidade. Já não me reconhecia mais.
Espero nunca mais na minha vida cruzar com esse tipo de gente. Por sorte, o número de pessoas boas é imensamente maior. E essas foram incríveis, me acolheram e me ajudaram a chegar até o último dia de contrato.
Caos mundial
Paralelamente à minha crise pessoal, familiar e profissional, o mundo passava por um caos inimaginável. Logo que chegamos em Maringá, começaram os boatos sobre um vírus mortal. Conforme os meses passavam, as notícias ficavam mais consistentes. Não acreditávamos que poderia chegar até nós. Mas chegou, e veio mais rápido do que esperávamos.
A terrível pandemia de Covid 19 trouxe à população pânico, insegurança, incerteza, reflexões. Ao mesmo tempo que agradecia por estar perto da família, sentia medo de levar o vírus para casa, afinal eu era a única que ia para rua, uma vez que minha mãe ficou afastada do trabalho, pois não atuava em serviço essencial, o Golber já estava em home office, e as aulas do Joaquim foram suspensas.
Foi um dos períodos em que mais trabalhei. Por causa das demissões, afastamentos, transferências, redução de jornadas, meu contrato que duraria três meses foi estendido para um ano e meio. As escalas eram alteradas o tempo todo. Cheguei a ficar cerca de cinco meses sem uma folga completa no fim de semana. Foi exaustivo fisicamente e emocionalmente.
Nessa mesma época, ainda me desdobrava para gravar videosaulas para uma agência EaD de Brasília. Eu já trabalhava com a empresa há algum tempo, em momentos esporádicos. Como estava tudo fechado, não tinha como ir para Brasília, fizemos tudo a distância. Um grande desafio, que era também meu refúgio. Gosto muito de gravar videoaulas, e naquela fase especialmente me fez muito bem, embora fosse cansativo.
Contaminação
Meu primeiro teste positivo foi por acaso, num exame sorológico oferecido pela TV a todos os funcionários no dia 30 de julho. Como não senti nada na época, fui considerada assintomática. Ufa! Passei ilesa, pensei, agora já estou imune. Que nada! Em dezembro, positivei novamente.
Dessa vez, foram os sintomas do que achei ser uma crise de sinusite e garganta inflamada que me levaram ao exame PCR, aquele do cotonete. Foi terrível. Fiquei isolada em um dos quartos da casa. Fiquei muito mal fisicamente, bastante debilitada, mas me recuperei sem precisar recorrer ao hospital.
A parte mais dolorida era não poder amassar, abraçar, cheirar, beijar a minha cria. Quando tentei explicar que precisávamos ficar distantes por um tempo, Joaquim, com apenas três anos de idade, respondeu: “Mamãe, eu sou ‘foite’. Mato o ‘vilus’ e você vai ficar bem”. Ah! Como é linda a ingenuidade infantil! Ele sempre parava na porta do quarto, em seu carro amarelo, perguntando se já podia me abraçar. Aquilo acabava comigo. Eu pedia, entretanto, só mais um pouquinho de paciência.
Aquele foi um momento familiar complicado, pois, para completar, semanas antes, quando algumas medidas sanitárias foram flexibilizadas, nós três fomos andar de patins. Ao auxiliar o Joaquim, Golber deu mau jeito na coluna. Ele buscou ajuda no pronto-socorro, onde aplicaram uma injeção errada, o que causou uma inflamação na perna direita provocando fortes dores do quadril à ponta do pé. Ele mal conseguia sair da cama, precisou fazer fisioterapia por meses até se recuperar totalmente. No meio de tudo isso, provavelmente devido ao estresse, Golber ainda teve uma paralisia facial.
Sobrevivemos
Diante de todas essas situações, por ora, não havia possibilidade de retornar para Brasília. O provisório estava se tornando um provável definitivo, por isso, decidimos deixar a casa da minha mãe e alugar uma para nós.
Nosso primeiro ano em Maringá foi turbulento em todos os sentidos. A mudança em busca de qualidade de vida e convivência familiar não saiu de graça. Custou desapego, despedidas, renúncia, persistência, choro, muito choro. Ainda dói.
Profissionalmente, foi um baita desafio. O mercado funciona de outra forma, outra cultura, outro público, outra cidade. Na adaptação, nos deparamos com uma pandemia. Foi preciso readaptação, recomeços, reencontros, ressignificações, amizades novas para aliviar a dor, família para acalmar o coração, plano B,C,D… Enfim, sobrevivemos.
Joaquim nem sabe, mas era ele quem me salvava e ainda salva todos os dias, ou melhor, todas as noites, quando, num abraço antes de dormir, me diz “mamãe, eu ‘ama’ você!”. Nesse momento, eu desmonto, relaxo e simplesmente esqueço o quão difícil ou cansativo foi o dia. Ver aquela pessoinha feliz, segura e saudável compensa tudo, e as forças são renovadas.
Ah! Depois de meses de tratamento com remédios e fisioterapia, o Golber se recuperou totalmente dos danos causados pela injeção aplicada equivocadamente.
Veja também:
- De Brasília a Maringá: A partida (parte 1)
- De Brasília a Maringá: Adaptações (parte 3)
- De Brasília a Maringá: Aceitação (parte final)