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Brasília a Maringá Aceitação

De Brasília a Maringá: Aceitação (parte final)

Já diz o provérbio popular: o que não tem remédio remediado está. No nosso terceiro ano em Maringá, fui lentamente me conformando com a ideia de que não voltaríamos para Brasília e que o provisório já havia se tornado definitivo. Assim, só me restava buscar a aceitação e, quem sabe, por fim naquela dor e finalmente me permitir viver o presente. 

Essa seria a fase final do meu sofrimento, de acordo com o modelo Kübler-Ross, também conhecido como ‘os cinco estágios do luto’. O estudo apresentado pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross em seu livro On Death and Dying, publicado em 1969, indica que, de maneira geral, as pessoas que passam por uma mudança pessoal significativa, que precisam lidar com a perda, o luto e a tragédia ou qualquer situação impactante, seguem um padrão diante do sofrimento: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. 

Pode acreditar, eu vivi cada uma dessas etapas. O processo não é fácil, pelo contrário, é bastante dolorido. Mas não há como fugir dele. É preciso tempo para assimilar os fatos, sentir as emoções até o esgotamento da dor e, então, seguir em frente. Cada pessoa tem seu próprio tempo para viver todas as fases do processo. 

Teoria X prática

Na teoria, tudo é lindo, tudo funciona. Porém, quando estamos passando pelo sofrimento, a impressão é de que aquilo nunca vai acabar e que não temos condições de sobreviver a tantas turbulências. É tão difícil desapegar do ficou pra trás e que não há mais como recuperar. 

O tempo não volta, já as experiências ficam guardadas dentro de nós, e acredito que isso dificulte a nossa capacidade de nos desprender do passado, especialmente se aquilo nos custou caro alcançar. Abrir mãos de sonhos, de conquistas tão desejadas, dói na alma. 

A vontade é reter ao máximo o estado em está se vivendo e não desviar daquele caminho que consideramos ideal para chegar aos objetivos almejados. O sentimento de oportunidades perdidas, de ‘eu poderia ter feito mais’, ou de ‘por que eu deixei isso acontecer?’, é simplesmente massacrante. 

Entretanto, a vida não é estática; ela está em constante movimento, mesmo quando não percebemos, e como as coisas mudam independentemente do nosso querer. Ela dá sinais o tempo todo. O meu corpo sentiu, mas eu não dei atenção aos avisos, porque estava apenas existindo enquanto esperava a tempestade emocional passar. 

Roupas justas

De repente, notei que as minhas roupas estavam cada dia mais apertadas. No começo, não dei importância, pois nunca tive problemas com a balança. Pelo contrário, costumava perder peso facilmente. No entanto, dessa vez, as coisas pareciam diferentes. Por via das dúvidas, decidi tirar a prova.

Olhei-me no espelho com calma, como não fazia há muito tempo. No reflexo, vi uma silhueta diferente da que me lembrava. O rosto também não era mais o mesmo. Respirei fundo e subi na balança, na esperança de o espelho estar distorcendo a imagem. 

Entretanto, a balança apenas confirmou o que o espelho já havia me mostrado. O número na balança era o mesmo que apareceu na minha pesagem antes do parto, cinco anos atrás. Eu estava com oito quilos acima do meu peso habitual, ainda estou, na verdade. Minha aparência não mudou muito desde aquele dia, nem estou me esforçando pra isso. 

Claro que não engordei tudo isso de uma hora para outra. Creio que os três anos de descuido total com a alimentação, sono irregular, sedentarismo associado à desaceleração do metabolismo – afinal, estou próxima dos 40 anos – tenham sido os responsáveis pela transformação do meu corpo.

De dentro pra fora

Fiquei mexida com o ganho de peso, não nego. Mas, entendi que as mudanças no meu corpo eram também alertas sobre o estado das minhas emoções. Nessa fase da vida, eu havia conseguido certa estabilidade como jornalista freelancer. Tive oportunidade de trabalhar em projetos que me permitiam desfrutar de tempo de qualidade em família, conforme planejamos.

Voltei, por exemplo, esporadicamente à TV ao longo do ano para cobrir férias, atestados e folgas. Na assessoria de imprensa, vivi uma experiência riquíssima, na maior feira agropecuária da América Latina, a Expoingá. Foi muito interessante, pois em 2005 fui estagiária nesse evento e agora estava de volta como profissional. 

Na sequência, pude atuar nas multimídias da assessoria de imprensa da Universidade Estadual de Maringá (UEM), onde ainda trabalho. Lá gravo para o rádio, para TV estadual, Web TV e escrevo para o site de notícias. 

Por todos os lugares que passei nesse período, fui muito bem acolhida. Tive excelentes colegas de trabalho, profissionais maravilhosos que generosamente me ensinaram muito, tanto em relação à profissão quanto sobre a vida. Minha experiência e conhecimento também foram reconhecidos, e eu me senti útil de alguma forma. Ainda assim, eu continuava infeliz. 

Espaços limitados

Tudo que eu vivia parecia ser insuficiente; tinha sempre a sensação que faltava alguma coisa ou que estava perdendo algo. Isso ficava mais forte todas as vezes que eu via notícias de que algum colega estava se destacando, conquistando grandes espaços profissionais. 

Diante dessas situações, eu experimentava dois sentimentos: primeiro, uma grande alegria, orgulho genuíno, vibrando verdadeiramente por eles, pois os conheço bem, fomos colegas de jornada, e sei o quanto são merecedores de suas vitórias. Em seguida, uma melancolia toma conta do meu ser e pensava ‘eu também poderia estar lá se tivesse continuado…”

Era como se tudo aqui fosse limitado, apertado, como se minha trajetória profissional tivesse sido tolhida e eu não pudesse mais expandir ou alcançar os lugares onde um dia sonhei estar e sei que poderia chegar. 

Apesar disso, eu não desisti; procurei outras formas de amenizar a dor latente. Além da família e do trabalho, foquei também em me atualizar. Fiz curso de teatro, novas mídias digitais e locução publicitária. Inclusive, nesse último, fiquei em primeiro lugar em um concurso de locução na categoria sem equipamentos. 

Deixe os livro caírem

Segui o conselho de uma querida colega de trabalho e deixei os livros caírem. A colega em questão é nossa coordenadora, uma senhora prestes a se aposentar. Infelizmente pra mim, não terei mais a agradável convivência diária; felizmente para ela, finalmente irá desfrutar o merecido descanso profissional.  

Certa vez, ao chegar na redação, a bombardeamos de problemas. Ela calmamente se sentou, olhou atentamente enquanto falávamos feito maritacas sem parar e ao mesmo tempo. Quando os ânimos se acalmaram, ela rapidamente organizou a situação, direcionou as demandas e delegou o necessário. Tudo ficou resolvido em minutos.

Fiquei observando a forma como ela lidou com aquela confusão e, ainda impactada perguntei: “Não entendo, como ficou tão calma diante daquele tumulto?” 

Sorrindo, ela cantarolou ‘ando devagar porque já tive pressa…’ e seguiu dizendo: “Experiência de vida, minha cara. Além disso, sigo o ditado ‘quando os livros da estante estão caindo, não há o que se fazer; é útil tentar segurá-los. O melhor a fazer é se proteger enquanto espera que eles caiam no chão. E só depois recolocá-los na estante.”.

Desapego

Continuei a vida, protegendo-me ao máximo para diminuir os danos enquanto os livros caíam da estante. No meio desse processo, eu estava lidando com algumas questões burocráticas familiares, incluindo a venda da casa da minha mãe e a compra de um novo apartamento para ela.  

Minha mãe era muito apegada àquela casa, já morava lá há alguns anos. A casa era o sonho de uma vida inteira. Não imaginei que teria coragem de se desfazer dela. Ao invés disso, achei que seria doloroso para ela recomeçar em outro lugar menor. Mas, pra minha surpresa, ela estava decidida a deixar o passado e suas lembranças em seu devido lugar e iniciar uma nova história.

Conforme ela se desfazia dos objetos e se despedia de todas as coisas que se a prendiam naquele lugar, ela ficava mais leve. Minha mãe parecia tão livre. Eu a vi pronta para dar aquele passo sem arrependimentos e sem nada por resolver.

Tivemos alguns contratempos com a corretora, o que prolongou um pouco a negociação, nada que um excelente advogado não resolvesse. Aliás, um conselho: sempre contrate um advogado de confiança, evita muita dor de cabeça.

Tirando os entraves burocráticos, minha mãe fez essa transição de forma tão suave, tão tranquila, tão desprendida. Simplesmente não fazia mais sentido pra ela carregar nada daquilo. Ficou tudo lá na casa antiga, no passado. Ela levou para a nova vida apenas o que era de extrema necessidade. 

Aceitação

O comportamento da minha mãe me tocou profundamente. Ao final da mudança dela, desejei aquele sentimento, aquela liberdade. Eu queria muito soltar as amarras que me prendiam no passado e me atrapalhavam ir adiante. 

Precisava aceitar que não terei novamente a vida que tinha antes; o tempo não voltará, e tenho que aprender a viver o presente inteira. Precisava estar presente no meu agora. Havia chegado a hora que tanto procrastinei: finalizar a nossa mudança.

Desde que chegamos em Maringá, evitei abrir todas caixas e relutava em mobiliar totalmente a casa; faltavam muitos móveis. Sempre olhava para a casa e dizia ‘mais tarde penso nisso’, quando, na verdade, só estava fugindo, pois não tinha coragem de encarar a realidade de que não voltaríamos tão cedo a morar em Brasília e que a minha vida agora é aqui. 

Deixar ir

Em lágrimas, comecei me desfazendo de todas as roupas que não me serviam mais. Para que guardá-las? Afinal, minha silhueta mudou, e não a terei de volta. Depois, abri as caixas fechadas há três anos. A cada caixa aberta, carregada de emoção, eu liberava parte da minha dor. Aos poucos, fui me despedindo do passado. 

Ao esvaziar a última caixa, eu chorava copiosamente; parecia que finalmente eu tinha conseguido soltar tudo o que estava me machucando, era como se eu pudesse respirar novamente. Ah! Como é difícil deixar ir, até mesmo aquilo que causa sofrimento. Não sei por quanto tempo chorei, só sei que me permiti prantear toda a dor que precisava ser pranteada.

Ao que tudo indica, consegui chegar à fase final do modelo Kübler-Ross, a aceitação. De acordo com o estudo, nesse estágio a pessoa começa a se adaptar à mudança ou à perda, aceitar a nova forma de viver, e a se lembrar do passado com alegria e amor. Nessa etapa, também é comum que as pessoas sintam-se esperançosas, otimistas e confiantes. 

Não tenho ideia de como será daqui pra frente. O que sei é que me sinto inteira e presente no meu presente. 

Veja também:

Se quiser conferir mais sobre o meu trabalho, basta acessar a aba Portfólio ou meu canal no Youtube.

Playlist de trabalhos na TV realizados em 2022 e 2023.
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