Até pouco tempo atrás, era preciso ir até uma banca de jornais ou assinar os periódicos para ter acesso às notícias importantes do dia. Além disso, as pessoas precisavam ficar com os ouvidos grudados no rádio e atentas ao horário do noticiário na TV para se informarem. Havia também certa expectativa com as capas e posters das revistas.
Parece ser algo bem distante para os mais jovens, mas não faz tanto tempo assim. Ainda me lembro claramente da época em que jornais e revistas impressos, rádio e televisão eram os únicos canais de notícias. A revolução digital do jornalismo no Brasil tem cerca de três décadas, quando a internet comercial chegou ao país. Entretanto, o acesso era restrito ao público de maior poder aquisitivo.
A tecnologia acelerou o processo de entrega de informação. Podíamos ter notícias de qualquer parte do mundo em tempo real a partir de um clique. Ficamos conectados e globalizados. Para não perder leitores, ouvintes e telespectadores, os veículos de comunicação não tiveram escolha senão aderir à era digital.
Primeiros passos
A migração para o jornalismo online foi inevitável diante de ameaças de o novo eliminar o antigo, assim como aconteceu quando disseram que a televisão iria substituir o rádio. No final, cada um conquistou seu próprio espaço e lutou juntos para sobreviver à imposição da evolução tecnológica.
Os primeiros portais eletrônicos de notícias foram criados já nos estágios iniciais da internet em terras brasileiras. No entanto, precisaram de alguns anos para se popularizar, adequar à nova linguagem e chegar ao ponto das mídias digitais que temos hoje.
Os meios de comunicação se multiplicaram e continuam se multiplicando em uma velocidade absurda. A rede passou a oferecer um universo de possibilidades de informações e interações jamais vistas, e sem uma legislação vigente que pudesse acompanhar, controlar ou filtrar o conteúdo divulgado.
Aos veículos tradicionais restou uma ampla e descontrolada concorrência. Se adequar às novidades da modernidade já não é mais o suficiente. Além de acompanhar as constantes atualizações tecnológicas, é necessário navegar uma onda à frente, investindo em inovação ao mesmo tempo que enfrenta os perigos e desafios incluídos no pacote de facilidades da web.
Notícias falsas
Atualmente, qualquer pessoa pode ter um canal de notícias na internet em diversas opções de plataformas digitais. Desde 2009, sequer é obrigatório um diploma de curso superior de comunicação ou jornalismo para atuar na área, graças a uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STF). A classe tenta reverter essa situação do por meio do Congresso Nacional, com proposta de emenda à Constituição (PEC 206/09), por enquanto sem sucesso.
Isso abriu espaço para empresas contratarem pessoas sem formação, o que, consequentemente, pode resultar em profissionais que muito provavelmente não receberam o conhecimento necessário sobre os princípios éticos, legislação, desenvolvimento da comunicação e toda a parte teórica imprescindível para exercer a prática do jornalismo.
Tais disciplinas são amplamente aplicadas, debatidas, refletidas, aprendidas durante o curso acadêmico. É como permitir que alguém dirija sem o conhecimento da legislação de trânsito; as consequências podem ser trágicas.
Além disso, sem a necessidade do diploma, os empregadores também podem se sentir desobrigados a pagar o salário base da categoria, que, diga-se de passagem, já é bem precário, oferecendo valores abaixo do mercado – um negócio bastante vantajoso para a empresa.
Felizmente, a maior parte dos grandes polos de comunicação ainda preferem ter no quadro de funcionários profissionais formados e comprometidos com a qualidade do serviço prestado. Uma vez que, a qualidade implica em credibilidade com público, que vê a empresa como uma referência confiável na hora de buscar informações.
Em contrapartida, a falta de responsabilidade, ética, conhecimento, o anonimato possibilitado pela rede e um pitada de mau-caratismo, juntados à fiscalização insuficiente, formaram um terreno minado de notícias falsas estourando a todo momento, mutilando e matando vítimas e mais vítimas. A disseminação das chamadas fakes news causam estragos terríveis.
Legislação
Governo e conglomerados do setor de comunicação travam uma batalha gigante contra a propagação de notícias falsas. As armas são lei, fiscalização, campanhas de conscientização e matérias para desmentir as publicações, mas nada disso parece resolver definitivamente o problema.
Está quase impossível vencer essa guerra, principalmente agora com os avanços da inteligência artificial, as fake news estão cada vez mais reais e incontroláveis. Está se tornando uma disputa desleal.
O Brasil considera a comunicação como um serviço público, conforme previsto na Constituição Federal. No entanto, diversos aspectos desse direito constitucional não tem regulamentação, e isso dificulta a execução e a fiscalização.
As emissoras de rádio e TV, por exemplo, são concessões públicas, ou seja, o governo concede o uso do espaço de transmissão, um bem público, para exploração pelas empresas. Já as empresas de jornais, revistas e sites de notícias regem-se de outra forma.
A legislação brasileira sobre meios de comunicação é um conjunto complexo de normas que visam garantir o direito à informação, à liberdade de expressão e à pluralidade de ideias, bem como proteger o público de conteúdos nocivos ou abusivos.
Veja um resumo das leis referentes aos meios de comunicação.
Constituição Federal
A Constituição Federal de 1988 assegura em seu artigo 5º, inciso IV, a liberdade de expressão, que inclui a liberdade de comunicação. Esse direito é fundamental para a democracia, pois permite que as pessoas expressem suas opiniões e ideias, sem censura ou represálias. E o artigo 220 trata da comunicação social, estabelecendo princípios como a liberdade de informação, vedação da censura, e garantias aos profissionais da comunicação.
O Código Civil Brasileiro
A Lei 10.406/2022, em seu artigo 12, inciso I, define os veículos de comunicação como “os meios pelos quais se expressa a atividade intelectual, artística, científica ou de qualquer outra natureza”. Essa definição é ampla e abrange uma variedade de meios, como jornais, revistas, rádio, televisão, internet, etc.
Lei de Imprensa
A Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967) felizmente foi revogada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 30 de abril de 2009. Até então, ela regulamentava questões como direito de resposta e responsabilidade civil e criminal dos meios de comunicação. Tal lei permitia mecanismos de censura prévia, como a apreensão de publicações e a proibição de circulação de jornais e revistas. A decisão do STF foi um marco na defesa da liberdade de imprensa no Brasil.
Liberdade de Imprensa
A Lei 2.083/1953 regula a liberdade de imprensa. O artigo 1º, por exemplo, estabelece que “É livre a publicação e a circulação no território nacional de jornais e outros periódicos”. Já o artigo 8º afirma que “A liberdade de imprensa não exclui a punição daqueles que praticarem abusos no seu exercício”.
Lei de Radiodifusão
A radiodifusão é regulamentada pela Lei 9.612/98, que trata sobre o serviço de radiodifusão comunitária e estabelece regras para concessão e renovação de outorgas. A televisão é também regulamentada pela Lei 4.117/62, que trata do serviço de radiodifusão de sons e imagens, estabelecendo normas para concessão e funcionamento de emissoras de TV.
Marco Civil da Internet
A Lei 12.965/14, conhecida como Marco Civil da Internet, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, aplicando-se a meios de comunicação online. Além de abordar temas como neutralidade da rede, privacidade e responsabilidade de provedores.
Regulamentação da propaganda comercial
A Lei 4.680/1965, regulamenta a propaganda comercial no Brasil. Essa lei define a propaganda como “a comunicação realizada com o fim de promover a aceitação de uma ideia, produto ou serviço”. A lei estabelece regras para a veiculação de propaganda, como a identificação do anunciante e a proibição de propaganda enganosa ou abusiva.
A categoria conta também com o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), entidade privada que estabelece normas éticas para a publicidade no Brasil, visando coibir práticas abusivas e garantir a veracidade e respeito nas campanhas publicitárias.
Lei das Fake News
Ainda não existe uma legislação específica no Brasil exclusivamente voltada para o combate às fake news. O que temos atualmente é o Projeto de Lei 2630/2020 tramitando no Congresso Nacional. Enquanto isso, em casos relacionados à disseminação de informações falsas, especialmente aqueles que violam direitos como a honra, a privacidade, ou configuram crimes, como difamação e calúnia, aplica-se outros dispositivos legais em vigor.
Nesses casos, acione as seguintes leis:
- O Marco Civil da Internet, onde a responsabilidade dos provedores de internet e redes sociais também pode ser questionada caso não cumpram as determinações legais relacionadas à remoção de conteúdo ilegal.
- O Código Penal, que prevê punições para quem comete crimes contra a honra, como calúnia, difamação e injúria.
- Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) que prevê punições para quem divulgar fake news com o objetivo de prejudicar a reputação de um candidato ou de induzir a erro o eleitor. Essas punições incluem multa, cassação do registro de candidatura ou até mesmo a cassação do mandato.
- Há também a Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/2018), cujo principal objetivo é proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.
Saiba mais sobre os direitos de informação no post Liberdade de expressão e Liberdade de imprensa.
Atenção aos compartilhamentos
A legislação pode até se esforçar, mas está longe de acompanhar o ritmo acelerado do desenvolvimento tecnológico. Embora a necessidade de regulamentação seja urgente nesta disputa acirrada de espaço e atenção, ainda vai levar um tempo para que ela aconteça. Tem muito trabalho pela frente a ser feito.
Às vezes, me pergunto se estamos preparados para lidar com o volume de informações que recebemos hoje em dia. Com os infinitos canais disponíveis e manipulações quase perfeitas da realidade, na maioria dos casos, fica mesmo difícil saber o que é verdadeiro e que é falso. Para além das medidas regulativas, é importante ter bom senso e responsabilidade com o que divulgamos e consumimos, tanto como profissional quanto como pessoa física.
No jornalismo, usamos dois termos que são opostos: “Furo” e “Barriga”. O furo é aquela notícia bombástica publicada em primeira mão como exclusividade, aquela que o jornalista descobriu por investigação, por feeling, bons contatos ou por simples sorte. Enfim, ele consegue sair na frente com a informação que obteve antes de todo mundo.
Já a barriga é a notícia divulgada equivocadamente como sendo verdadeira. Para um furo se tornar uma grande barrigada é um passo curto, basta falta de atenção, não confirmar a veracidade dos documentos e fatos, é se deixar cair em armadilhas na pressa de ser o primeiro a publicar a informação sem a devida apuração. No entanto, não é toda barrigada que vira meme; a maioria tem consequências desastrosas.
Meu conselho como jornalista é: antes de passar qualquer notícia adiante, sempre cheque a fonte de onde veio a informação, confira fontes oficiais e de confiança, procure a veracidade dos fatos em sites especializados em desmentir notícias falsas. Seja criterioso com aquilo que consome e compartilha.
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