jornalista é escutador de histórias

Jornalista: um escutador de histórias

Sempre ouvi dizer que jornalista é um contador de histórias, eu discordo; pra mim, na verdade, somos escutadores de histórias. No máximo, transmitimos o que outras pessoas nos disseram, claro, depois de confirmar os fatos.

A essência do jornalismo é informar, levar conhecimento, dar voz aos que ninguém ouve. Mas, para ter uma narrativa que realmente cative os espectadores, antes de tudo, o jornalista tem que obrigatoriamente ser um escutador de histórias; ele tem que saber escutar e não apenas ouvir.

Ouvir e escutar são duas palavras que, embora parecidas, têm significados diferentes. Ouvir é um processo mecânico, que consiste na captação de sons pelo ouvido. Quando ouvimos, estamos simplesmente recebendo os sons, sem necessariamente prestar atenção neles.
Escutar, por outro lado, é um processo ativo, que consiste na atenção e compreensão dos sons. Quando escutamos, estamos atentos ao que está sendo dito, tentando entender o significado das palavras e das ideias.

A escuta é uma habilidade fundamental para qualquer jornalista, e ela deve ser feita com respeito e empatia, por mais difícil que seja assimilar o que está sendo dito. Quando não escutamos devidamente, corremos o risco de perder a chance de escrever uma grande reportagem, ou pior, publicar a informação pela metade ou até errada.

Vi isso acontecer algumas vezes; uma delas foi durante a cobertura de um acidente com o ônibus de uma equipe de futsal. O cinegrafista que estava comigo descobriu algo comovente sobre o roupeiro. Como a história era boa, após entrevistamos o roupeiro, a passamos para os colegas de outra emissora (é comum trocarmos informações quando não se trata de um assunto exclusivo). Entretanto, o colega parecia não compreender o que foi dito, e entrou no link com a informação equivocada. Por isso, foi corrigido ao vivo pelo próprio entrevistado várias vezes.

A história principal pode estar no detalhes

Os entrevistados enriquecem, dão vida à matéria. As pessoas querem falar, contar sua versão dos fatos e, em alguns casos, apenas desabafar. A forma como são tratadas enquanto relatam sua história faz toda a diferença. Além disso, quanto mais mostramos interesse genuíno, mais conexões fazemos com as fontes que, consequentemente, acabam nos entregando além, e o contexto muda totalmente.

Em várias ocasiões, a minha pauta mudou de rumo após conversar com os entrevistados. A produção nos entrega uma pauta com o resumo do assunto e a direção que devemos dar às matérias. Mas, às vezes, ao chegarmos ao local marcado, descobrimos que a situação não é bem da forma como foi passada para os produtores.

Quando vemos o cenário de perto, questionamos alguns pontos, falamos com outras pessoas envolvidas, uma nova informação aparece, analisamos o todo e os detalhes, a reportagem toma um caminho diferente do que pensávamos no início, ou ainda, outra pauta paralela e até mais interessante surge nesse processo. Claro que as decisões de alterar a produção são sempre em conjunto com a equipe de produtores e editores, após a equipe de reportagem relatar o que apurou in loco.

Aquela reportagem especial pode estar onde menos esperamos, basta ter os ouvidos atentos. Sem contar que, observando mais que falando, o jornalista amplia o entendimento, encorpa os argumentos, fica mais próximo do real e enriquece a qualidade da narrativa.

Além disso, a escuta ajuda a conhecer o gosto e as necessidades do público. São nessas trocas, que as pessoas comunicam o que querem saber e como querem receber as informações, o que pensam sobre o mundo e como veem a realidade.

Curadores de histórias reais

Se reparar, as reportagens são sempre em terceira pessoa, as informações são segundo fulano ou de acordo com tal instituição ou pesquisa e nunca na ótica pessoal do jornalista, mesmo que a notícia o afete de alguma forma ou aquilo que ele relate seja a perspectiva dele sobre a perspectiva das fontes.

Ficou confuso? Eu explico. O repórter sempre escreve a história de alguém, de um lugar ou fato, contada por esse alguém ou por outras pessoas envolvidas. Depois de colher o ponto de vista dos entrevistados, ele seleciona quais partes da conversa vai usar e de que forma vai transmitir as informações que recebeu. Ou seja, da perspectiva dele de escutador ele narra a perspectiva dos entrevistados. Podemos dizer que o jornalista se torna um curador sensível das experiências compartilhadas com ele.

Por isso, é tão importante ser cuidadoso com todas as informações que nos são confiadas. A fonte, ao fornecer o conteúdo, acredita que será utilizado de forma responsável, e assim, como o jornalista, está ciente das consequências que a divulgação das informações pode acarretar. Portanto, todas as histórias devem ser respeitadas.

Nessa avaliação, é primordial que o jornalista perceba os golpes e manipulações da fonte. É comum, principalmente para os ainda inexperientes, ou os apenas focados em ter uma grande matéria, ou por pura distração, se deixarem levar em mentiras. Temos vários casos famosos de repórteres que foram ludibriados pelos entrevistados, alguns com fins trágicos inclusive. Vale ressaltar que nenhum de nós está livre de cair em armadilhas.

A escuta que pode salvar vidas

Sabemos que o jornalismo exerce um papel social por meio da informação e faz isso levando a público diversas histórias que criam identificação e até possíveis soluções.

Por exemplo, ao relatar as necessidade de uma comunidade, provoca os governantes a implantarem políticas públicas naquele local e em outros lugares com problemas semelhantes. A notícia de um caso de violência doméstica mostra o caminho e incentiva outras vítimas a denunciarem seus agressores. Uma denúncia bem apurada de corrupção obriga o poder público a se explicar e responsabilizar os culpados. Histórias de pessoas que sobreviveram a situações extremas ou superaram dificuldades dão esperança a quem está passando pelo mesmo sofrimento.

Em todos os casos, a história é sempre feita por pessoas. Seja o fato que for, são as testemunhas, são as pessoas impactadas de alguma maneira que contam a versão delas do ocorrido. É assim que construímos uma reportagem, com depoimento de pessoas. Além disso, quando as pessoas reais relatam o que passaram, imediatamente cria conexões com quem está lendo, assistindo ou ouvindo.

Como já disse antes, é uma grande responsabilidade transmitir as informações confiadas a nós, pois através da forma como as repassamos, outras pessoas aprendem e compreendem sobre o mundo ao seu redor, se inspiram, e tomam decisões. Uma notícia pode mudar a vida de alguém.

O jornalista tem a responsabilidade ética de ser defensor das diversas vozes que constituem a nossa sociedade. Para fazer exercer essa função de maneira justa e consciente, requer do profissional escuta empática e atenta, sensibilidade social e cultural, e disposição constante para aprender com a experiência de outras pessoas. Já diz a sabedoria popular que ‘temos dois ouvidos e duas bocas’, justamente para, de acordo com a Bíblia, ‘sermos todos prontos para ouvir, tardios para falar…’

A prática leva a perfeição

Felizmente, a escuta é uma habilidade que pode ser desenvolvida com a prática. Eu, particularmente, acho incrível ser uma jornalista escutadora de histórias. As pessoas têm sempre algo a nos ensinar pelas suas experiências. Se pensarmos bem, a vida de todos nós renderia um livro.

Vou descrever algumas técnicas que utilizo no dia a dia e talvez possa te ajudar:

  • Concentre-se no que a pessoa está dizendo. Tente não se distrair com outras coisas, como seus pensamentos ou preocupações.
  • Faça perguntas para esclarecer o que a pessoa está dizendo. Isso mostra que você está interessado no que ela está dizendo e que está tentando entender.
  • Resuma o que a pessoa disse para ter certeza de que você entendeu. Isso ajuda a garantir que vocês dois estejam na mesma página.

Ademais, lembre-se de que a história não nos pertence; estamos apenas replicando o que escutamos. Assim, podemos produzir jornalismo de qualidade, com histórias verdadeiras, justas e relevantes.

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